Conto: A guarnição

 


Sargento Cássio, homem duro e intransigente, se não tivesse sido militar, seria um perigo para a sociedade, mas teve no cargo a possibilidade de desenvolver sua psicopatia. 


—Atenção! Recrutas! Quero o local limpo, para que possamos montar acampamento! Se alguém estiver exausto, não quero saber, se reclamar, ficará ainda mais cansado, depois que eu acabar com ele! 


Enquanto estava prestes a descansar em sua barraca, chamou o cabo e ordenou que vigiasse os homens. Deitou-se, em seu colchão, com a faca na bota e uma 9 mm no coldre. Teve um pesadelo, coisa que não ocorria há anos, pois nem a morte lhe inspirava temor. Acordou, quase sem conseguir respirar, estando todo envolto em suor, dentro de algo que lembrava um casulo e, com grande dificuldade, pegou a faca e começou a abrir sua saída com uma fúria tremenda. 


— Homens! Que tipo de brincadeira insana é essa? Alguém vai sentir o peso da minha mão — enquanto saía da barraca e vendo que o lugar estava deserto. 


Vasculhou o lugar, estava tudo como horas antes, nenhuma indicação de luta ou sangue, nenhum dos homens a vista. Sentiu um arrepio na espinha ao encontrar um cigarro ainda aceso, como se alguém nem o tivesse tocado. 


— Que diabo aconteceu aqui? — falou para si mesmo, em voz alta.


O campo de treinamento era velho conhecido das forças, há onze meses, estava ali, formou outros soldados, nenhum incidente. Procurou sua arma, ainda estava no coldre, achou um fuzil, pegou o máximo de munição que conseguiu carregar, além de um cinto de granadas e seguiu os rastros deixados por “Deus sabe o quê”.


 Encontrou um rádio, no caminho, os rastros eram imensos — “Parte da mata se abriu, pelo caminho de onde os demônios vieram, eram um exército de quê? No mínimo, sessenta e quatro pares de rastros, não pode ser”. 


O rádio captou algum sinal, era um soldado, gritando por socorro. 


— Câmbio! Aqui é o Sargento Cássio! Qual sua posição, soldado? 


— Senhor! Aranhas! Aranhas! — tiros e gritos ao fundo. 


— Qual é sua posição? Homem! — O dispositivo pifou. Cássio examinou-o, antes de arremessa-lo para longe. Poderia partir, chamar reforços, mas isso diminuiria o brilho de sua fama de homem que até o diabo temia.


As marcas, assim como o casulo, mostravam que o soldado estava dizendo a verdade — “As trilhas orgânicas, sinuosas, com uma aparência semelhante a teias de aranha, compostas por duas ou mais linhas paralelas, deixadas pelas patas dianteiras e traseiras. Profundidade da pegada, na lama: seis centímetros, uns duzentos kilos? Talvez?” 


O sargento, meditou, por alguns minutos, numa abordagem sólida para uma aranha gigante — “O sistema nervoso está mais, amplamente, dividido nas pernas, um tiro ali as paralisaria, além de afetar seu poder de ataque. Tenho, quatrocentos tiros, o suficiente para uma festa, mas, e se houverem mais?”. 


O militar seguiu até a entrada, aparente, do ninho, um conjunto subterrâneo de cavernas, cuja entrada era, um sumidouro, de uns quinze metros de profundidade, a trilha terminava ali, então era a aposta mais segura. Dali, foram mais mil metros de descida íngreme, mas que podia ser trilhada por alguém desprovido de equipamentos, sem maiores dificuldades. A esta altura estava muito abaixo do nível do oceano, usando a lanterna tática do fuzil, no subterrâneo da floresta. Desceu, no entanto, temendo ser visto, mas — “Por sorte minha e azar dos homens, estão, provavelmente, jantando”. 


Os restos de outros animais jaziam, nos cantos obscuros daquele esconderijo —” Quem não foi diluído, num suco gástrico, e sugado como “Toddynho”, provavelmente serve ao propósito de ser alimento da prole”.


Cássio, abriu alguns casulos e riu, ao ver o esqueleto de um cervo, quase completo: — “Seus dias de glória ficaram no passado, não é? Chifrudo?”.


Julgava que, pela profundidade e extensão dos túneis, era possível que as aranhas tivessem acesso ao restante da selva por outros pontos, debaixo dos pés, da maioria, dos seres viventes da região.


No ninho, reinava a escuridão, absoluta, do subsolo, onde nenhuma luz, a não ser a artificial, brilhava. Aproximou-se, o máximo possível, de um casulo, desviando das longas e grossas teias pelo caminho, pois, este, se movia, como alguém querendo fugir, porém, quando o abriu, com sua faca, o homem ainda vivo implorava: 


— Me mate, senhor! Me mate! — na pele e barriga se formavam bolhas instantâneas, e infladas, de onde, pequenas aranhas saltavam, quando estouravam. 


Cássio sacou a faca e enterrou no crânio do soldado, enquanto desviando das aranhas filhotes. Pisou, em quantas pôde. Buscou, na escuridão e umidade, algum rastro de sobreviventes, mas infelizmente — “Nenhum dos homens teria sobrevivido ali, é melhor fugir e chamar a guarda nacional para destruir o lugar, mas não sem antes deixar uma surpresinha.” — puxou o pino de uma granada e jogou, o cinto todo, num buraco, que parecia sem fundo, onde dezenas de vultos se misturavam — “Como mãos gigantes de demônios, procurando sua presa” — depois correu para a saída. 


Guinchos horríveis, ecoaram nas trevas. — “Abri os portões do inferno” — pensou. Todas aqueles vultos foram no seu encalço. O próprio homem aranha não escalaria, a saída, de maneira tão ágil, quanto ele o fez, abrindo fogo e deixando algumas daquelas monstruosidades para a morte, ao detonar suas patas colossais. Cada tiro, encontrou seu destinatário.


 Correu, na direção do acampamento. Após um quilômetro, não acreditava ser seguido: — “Estão reproduzindo. Não, há chance de todas deixarem o ninho”. 


Sentiu a perna “ferida da escalada”, mas, observando-a, percebeu que era um furo muito profundo, como se alguma das “malditas” tivesse deixado um “presente” ali. Tentou enfiar a faca e arrancar, mas sentiu os “filhotinhos do inferno”, correndo por entre seus órgãos.  


Morreu ali, estendido e agonizando, o soldado mais corajoso da trigésima quinta divisão, só teve tempo de abrir o cantil e ingerir um pouco de uísque barato, antes, mostrando todo seu desprezo e descontentamento. 


Originalmente publicado na antologia "Subterrâneo", disponível para compra na loja da UICLAP. 

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